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Primeiro trans do MasterChef fala sobre representatividade: "Salvei vidas"

Thales Alves relata barreiras no mercado de trabalho e fala sobre visibilidade em entrevista ao Band Receitas; confira

Júlia Cabral

Thales Alves fala sobre sobre mercado de trabalho e representatividade
Thales Alves fala sobre sobre mercado de trabalho e representatividade
Carlos Reinis/Band

Anote este nome: Thales Alves. Aos 25 anos, o psicólogo entrou para a maior competição culinária do mundo com o título de primeiro trans do MasterChef Profissionais, mas a lista de feitos só aumenta: chef executivo de cozinha, especialista em gastronomia, diretor de comunicação e criador de conteúdo nas redes sociais, onde acumula mais de 100 mil seguidores.

“Eu sou procurado por ser uma pessoa trans, mas sou muito mais procurado por ser um gastrônomo que trabalha com excelência”, aponta Thales, que acredita em um mercado de trabalho com mais oportunidades. No Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAP+, o pesquisador conta ao Band Receitas como se deleitou na arte da criação, dentro e fora da cozinha.

Uma paixão que atravessa gerações

O amor de Thales pela cozinha remonta à infância. “Como um bom goiano, todas as reuniões de família eram feitas ao redor da mesa. A época de colher milho era uma grande festa e todo mundo se reunia na casa minha avó".

Ainda que presente no dia a dia, a culinária não podia ser sua primeira opção de carreira: “Sou de uma família preta e pra gente é muito difícil pensar em uma ascensão social que não seja através da educação", relata Thales, inicialmente formado em psicologia.

Indo contra as estatísticas, o goiano abandonou a academia, iniciou sua transição e entrou para o curso de gastronomia — em segredo! A profissão, conhecida por ter baixa remuneração, não agradava seu meio familiar, composto por professores e militares, e Thales escolheu não compartilhar o novo desafio.

A família acabou descobrindo e o gastrônomo conta que o choque foi grande, principalmente para a mãe, que brincou que ele "deixaria de ser um grande pesquisador em psicologia para sofrer na cozinha de segunda a segunda". Thales contrargumentou: 

“Dá para ser professor em gastronomia e ainda seguir uma carreira acadêmica, pesquisar, falar de ciência…” 

Agora com dois diplomas, o cozinheiro precisou escolher entre seguir um mestrado na Le Cordon Bleu da Argentina ou agarrar uma bolsa na PUC-SP — oportunidade que o tornou um grande especialista em gastronomia. E foi lá dentro que a semente do MasterChef Profissionais semeou.

Zona de desconforto

Tudo começou com uma pesquisa sobre o mercado de trabalho. “Descobri que não existe nenhuma pessoa trans como chef executivo de cozinha, foi um choque. Você encontra sous chef, ajudantes, mas não somos a cara do restaurante. Foi um tapa, eu estava blindado pela academia", conta Thales.

Desse incômodo, as discussões se tornaram cada mais frequentes, principalmente na sala de aula, lugar onde ele foi provocado por um aluno a participar do MasterChef Profissionais.

 “Ele disse que se eu tivesse tanto orgulho de ser um homem trans, deveria inscrever na competição e dar minha cara a tapas para o Brasil inteiro. E por que não? Quis mostrar que existem pessoas trans em todos os espaços, somos como qualquer outra pessoa cisgênero” 

A inscrição já tinha acabado, mas por um golpe de sorte (ou do destino!), foi prorrogada na mesma semana e Thales fez a inscrição com uma salada quente com molho de laranja, prato que o lançou na disputa.

Já na competição, o cozinheiro, que não falava com a família, se reaproximou da mãe. “A gastronomia transformou minha vida. Minha mãe é bem religiosa e, mesmo sem saber da minha participação, disse que pensava e torcia muito por mim". 

Representatividade importa e transforma

Enquanto lutava pelo prêmio de R$ 200 mil e o título de melhor cozinheiro do país, Thales tinha outros sonhos dentro do programa. “Meu objetivo era salvar uma vida e fazer com que uma família de pessoa trans se reaproximasse". 

Propósito atingido com sucesso: até hoje, Thales mantém contato com Dona Nida, telespectadora que, junto de sua irmã, acolheu o sobrinho trans por conta da participação dele na competição. E elas não foram as únicas que se impactaram com a presença do gastrônomo na televisão!

“Depois da minha participação, muitas famílias de pessoas trans começaram a enxergar seus filhos como alguém capactiado e entenderam o sofrimento de não serem um apoio. Desde então, minha batalha é que a gente construa um ambiente mais prospero!".

Ao ser questionado sobre a necessidade de representatividade nos espaços midiáticos, Thales menciona o carinho que recebe na internet e reafirma o sonho de ver pessoas LGBTs falando sobre suas histórias em primeira pessoa. 

“Gosto de não ser lembrado só por ser uma pessoa trans, mas faz parte de mim, é minha identidade. Deixem os protagonistas contarem suas próprias histórias.