Katia Barbosa confidencia extravagâncias da gastronomia: "Não quero ser famosa"

Aos 62 anos, a chef do subúrbio do Rio de Janeiro (RJ), que criou patrimônio culinário e trilhou carreira impressionante, se preocupa com o futuro da gastronomia brasileira; leia entrevista exclusiva

Por Júlia Cabral

Katia Barbosa confidencia extravagâncias da gastronomia: "Não quero ser famosa"
Katia Barbosa abre coração para Band.com.br
Reprodução/Instagram @barbosakatia

“Antes de fecharem meu caixão, eu vou pedir um momento para gritar só mais uma vez: viva a comida brasileira”, diz Katia Barbosa, chef de cozinha que nasceu no subúrbio carioca, em Ramos, e criou um dos patrimônios gastronômicos carioca, o famoso bolinho de feijoada. Hoje, está à frente de quatro casas no Rio de Janeiro (RJ).

Sentada em uma poltrona do arquiteto designer brasileiro Sergio Rodrigues, a chefona de mente brilhante e postura imponente fala sobre a paixão pela gastronomia brasileira e confidencia os “perrengues” da gastronomia em entrevista exclusiva para Band Receitas.

Leia a entrevista com a chef de cozinha Katia Barbosa

Band Receitas: O bolinho de feijoada é sua marca registrada. Te incomoda o fato de que as pessoas ainda falam muito sobre ele?

Katia Barbosa: Falar sobre ele é falar sobre comida brasileira, afeto, minha mãe, nossos ancestrais. Isso é legal, mas, em algum momento, começou a me incomodar porque senti que as pessoas achavam que eu só sabia fazer aquilo — ou que eu só sabia fazer comida de botequim. O rótulo, me colocar em uma prateleira, me incomoda muito. 

BR: Ele é a sua “Anna Júlia” [música da banda Los Hermanos].

KB: É, exatamente! A pessoas me perguntam: “Então você não gostou de criá-lo?”. Gostei, né? Tanto é que criei, mas sei fazer outras coisas. Se eu te digo que tenho mil possibilidades para te oferecer e você só quer falar do bolinho de feijoada, claro que vou me irritar.

BR: O que mais você sabe fazer muito bem?

KB: Descobri outro dia que sou muito boa de sobremesa e isso me lembra que sou capaz de muitas coisas. Eu gosto muito de comida moderna, mas não faço tudo sempre “moderninho”. Uso um elemento aqui e outro ali, existem algumas técnicas que eu acho bacana, tipo a gelatinização. Essa brincadeira de a pessoa achar que vai comer uma coisa e quando ela corta é outra… Isso é muito interessante. 

Gosto de fazer comida vegetariana também. Quando faço, se assustam. “Ah, eu não sabia que você gostava de fazer isso”. Pois é, mas gosto! O ser humano rotula demais. Já ouvi uma jornalista dizer que “a Katia Barbosa só faz fritura e comida de botequim”. É de um preconceito enorme. Eu vejo os olhares maldosos e ouço os comentários depreciativos, e eles me irritam demais.

BR: O que te mais te incomoda na gastronomia?

KB: Bajulação. E os rótulos. Hoje, eu tenho o restaurante Sofia, que faz comida afetiva moderna e não tenho uma casa cheia, mas se eu estivesse em Ipanema ou Leblon, a casa lotaria. É um ambiente lindo, delicado, extremamente feminino, mas para fazer o cliente ir até lá é muito mais difícil porque o rico está na Zona Sul. Isso também me incomoda bastante.

Fora ser mulher na gastronomia. São tantas coisas que me incomodam que uma hora cansa e dá vontade de se isolar e só fazer comida. Até que você entende que não dá. O mundo moderno exige que você esteja nos lugares, nas redes sociais, que você frequente bares e restaurantes da Zona Sul do Rio de Janeiro. Que você faça parte. E eu só quero cozinhar e vender a minha comida. Não quero ser famosa. O meu trabalho é esse. Todo o resto sou eu atenta às necessidades do mundo moderno. 

BR: É um jogo. Considera que está jogando bem?

KB: Já não tanto quanto eu gostaria, mas me sinto jogando. Tem que jogar, senão você quebra. 

Eu tenho um negócio, mas ele tem um propósito: preservar a memória dos meus ancestrais e da comida brasileira, preservar nossa cultura. Isso é muito mais importante pra mim do que os olhares maldosos.

Tem uma porção de cozinheiros brasileiros que abraçam essa campanha por moda, porque, hoje, vende aqui e lá fora. E quando acabar? O que as pessoas vão fazer? Isso me preocupa. Tem que olhar no espelho e se perguntar: “No que eu realmente acredito?”.

BR: Você se cobra bastante?

KB: Demais. Sou uma questionadora de mim mesma. E sou muito insegura também, por natureza. Nunca acho que sou boa o suficiente. Sou desconfiada. Toda agressividade existe por uma razão. É fruto de uma infância difícil. Morei em uma comunidade muito pobre, passei por muitos abusos na vida… Aí você cresce desconfiando do mundo e não acreditando em você. 

Hoje em dia, não tenho tanta energia para mudar certas coisas, mas têm muitas coisas que gostaria de fazer para a gastronomia. Vou deixar essa tarefa para as minhas filhas. Hoje, me cobro a continuar inspirando pessoas.

BR: O que te inspira de verdade?

KB: Amo música. Não acredito em um mundo sem arte. A verdade é que sou uma cantora frustrada. Vou fazer aulas por terapia porque eu quero ser mais calma. Preciso ser mais calma. Um monte de gente admira o meu jeito, a minha personalidade, mas não gosto. Eu quero ser uma pessoa melhor e a arte me inspira a isso. 

Acho que eu trabalharia com qualquer coisa relacionada à arte: ter uma loja de arte popular brasileira, descobrir cultura de povos, pesquisar sobre moda... Eu olho para a decoração de um restaurante e isso me emociona. Ouço uma música bonita e me inspiro. Vejo uma roupa feita à mão e isso me fascina. Tá aí! Eu gosto de tudo que é belo.

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